Conversamos com Tiago Rezende, criador de Dr4g0n, nova série de E-Sports do Globoplay

A série já está com todos os episódios disponiveis na Globoplay.

De Alesson S. Moreira
14 minutos de leitura

Dr4g0n é uma nova série do Globoplay que conta a história de Daniel (Cauã Martins), um menino introvertido e misterioso que vive com os pais e a irmã mais velha, mas que quase não se relaciona com eles. Por causa da falta de diálogo, sua família não faz ideia de que, na esfera digital, ele é o misterioso e incrivelmente habilidoso ‘Dr4g0n’, seu codinome no popular jogo Full Force. Ao descobrir que a empresa dos pais faliu, sua irmã Ana Paula acaba entrando nesse mundo do E-Sport e vê nas habilidades do irmão uma forma de tirar a família da falência.

Nós, da Otakus Brasil, fomos convidados a falar com Tiago Rezende, criador da série, que falou um pouco sobre de onde vieram as ideias para a série e as referências à cultura pop e otaku que existem na trama.

Elenco de Dr4g0n com o criador Tiago Cruz Rezende e a diretora Ana Luiza Azevedo creditos Fabio Rebelo
  • Otakus Brasil: Por mais que o mercado de E-Sports venha crescendo no Brasil e no mundo, ainda é algo muito nichado. Como você teve esse contato com esse mundo e consequentemente de onde surgiu a ideia da série?

Tiago: Acho que sempre estive um pouco perto, transitando em locais próximos do E-Sport. Nunca fui exatamente um jogador desses jogos mais competitivos, mas sempre fui gamer. Tive videogame a vida inteira, joguei todas as gerações de videogames e quando começou a ter em volta de mim, histórias de atletas de E-Sport, jogadores profissionais, aquilo sempre me chamou muito a atenção, eu sempre achei muito interessante. ‘Olha só, tem gente ganhando dinheiro jogando’.

A minha geração foi a que pegou o início das lan houses, a galera que ia jogar Counter Strike na lan house, depois começou a poder jogar em casa. Era a história do que pros pais da nossa geração era só, absolutamente só, a perda de tempo. Não tinha como videogame ser uma coisa positiva, era só ruim. E ver os videogames amadurecendo e começar a existir esse rolê de jogo profissional e times, me chamava atenção. E chamava atenção esse choque geracional, de como as pessoas mais velhas, as pessoas de fora desse universo, não conseguiam entender.

Então a premissa de uma pirâmide de poder invertida, em que o menino introvertido que fica dentro do quarto jogando passa a ser um jogador de sucesso remunerado e a família passa a depender dele, me pareceu uma premissa cômica muito boa, me chamou a atenção e dali veio a ideia da série.

E dali, a partir disso, veio junto: “Bom, então, se vai ter um jogo, vai ter um time. Se vai ter um time, vão ter competições”. Então daí eu já pesquisando, já entrando e vendo tudo que eu conhecia, é vendo como é muito competitivo. Isso é uma coisa que chama muita atenção, como as pessoas desse universo são competitivas. Então, como roteirista, como um observador dos seres humanos, para mim, sempre chama muita atenção diferente de outros espaços que eu circulei, como esse pessoal leva a sério.

E dali essas competições passaram a ser muito importantes para a série, ter jogos emocionantes, ter batalhas emocionantes dentro da série.”

  • Otakus Brasil: Assistindo a série deu para perceber que temos uma galeria interessante de personagens que não são exatamente bons, mas também não exatamente maus. Como foi criar esses personagens e qual foi a sua participação na escolha do elenco?

Tiago: No início, teve uma busca de um trabalho, bastante de comédia, de fazer personagens que fossem contraditórios uns com os outros. Assim, a gente faz um esquema criando série de comédia, tentando pensar que não pode ter nenhum assunto que dois personagens tenham a mesma opinião. Qualquer coisa que botar para acontecer, eles têm que divergir entre si. Se tiver dois que têm a mesma opinião sobre algo, cortam um desses personagens. Óbvio que essa é uma regra que vai ter exceções, mas a gente tenta costurar assim os personagens.

E pelo tipo de série que a gente queria fazer, acho que era importante essa sensação de não ser muito maniqueísta entre bem e mal nos personagens. E daí até eu tava pensando antes de entrar aqui pra essa conversa em influências de anime e mangá, que pra mim são muito fortes na série. E fiquei pensando assim, “tá, mas será que o pessoal tá vendo isso?” E aí eu me dei conta que tem uma diferença grande entre referência e influência. E acho que o que a série tem bastante na concepção, na forma que ela foi escrita, na forma que a narrativa foi feita por mim, pela Ana Saki e pelo Tomás Fleck, que fomos os roteiristas, eu busquei muito de trazer essa influência de anime.

Então, se pegar o personagem do Daniel, o Dr4g0n, a gente queria na sala de roteiro que ele tivesse essa energia desses personagens como o Killua, o Sasuke, o Zoro, o Ikki de Fênix, essa energia que é do personagem anti-herói. E é engraçado, porque esse tipo de personagem, eles têm normalmente cinismo, eles normalmente têm o status de poder deles é muito alto, então tendem a ser personagens que não funcionam como protagonista. Pelo papel que eles têm que ter, eles são muitas vezes aquele melhor amigo/rival.

E isso eu acho que é interessante na série, porque o Dr4g0n, ele é o protagonista conceitual da série, ele é o que dá nome, ele é o Dr4g0n, ele é o craque do time, mas estruturalmente, em termos de história, quem protagoniza a história é a irmã dele, é a Ana Paula, porque ele está ali, ele tem todo esse poder, mas ele também gera conflito, ele não é muito fácil de lidar. Então, acho que esse tipo de influência, que para mim, era muito importante.

Eu falei sobre o momento que eu vi que a série ia ter E-Sports, então ia ter jovens, ia ter competição, então ia ter batalhas, e daí isso foi uma coisa que clicou para mim lá atrás. Quando a gente estava começando a pensar nos roteiros, é tipo: “Cara, então dá para trazer uma sensação que eu normalmente tenho assistindo anime ou lendo mangá para essa série”. E daí eu comecei a buscar isso, eu junto com a Saki e o Tomás, e acho que esse exemplo da personalidade, da energia do Daniel, do Dr4g0n é uma coisa forte. A gente tinha esses momentos Dr4g0n que eram pensados, eu queria provocar aquelas sensações que a gente tem quando o Sasuke fala alguma coisa.

Caua Martins Daniel creditos Fabio Rebelo
  • Otakus Brasil: Como foi o processo de sala de roteiro dessa série?

Tiago: Na verdade, foi bem padrão sala de roteiro. Não é a primeira vez que a gente trabalha junto. Eu e o Tomás já fizemos sala de roteiro juntos em outras séries, eu e a Saki também. A gente fez juntos, nós três, o Necrópolis, que é uma série de comédia também, uma comédia pesada. E a gente já tem, entre nós três, um senso de humor compartilhado do grupo.

Mas, óbvio que dessa vez era uma série original, GloboPlay. A gente estava querendo entregar o nosso melhor, mas junto disso tinha a Casa de Cinema de Porto Alegre, sendo a produtora, tinha o Jorge Furtado como supervisor de texto, a Ana Luísa, que dirigiu a série junto comigo acompanhando, a Nora, produtora acompanhando, todo o pessoal do GloboPlay, que sempre tinha inputs muito bons para a série também, foi um processo muito agradável mesmo.

Enfim, a gente fez sala de roteiro, a gente discutia, criou esboços do que ia ser a história da temporada juntos, depois fomos criando as histórias dos episódios e, em algum momento, quando os episódios estavam maduros, alguém pegava para escrever o primeiro tratamento, depois a gente lia juntos, reescrevia. Eu, normalmente, fazia alguns ajustes para manter o tom exatamente unificado na série, mas tudo tem colaboração de todo mundo. Sim, para mim, foi um processo muito bom.

  • Otakus Brasil: O quarto do Daniel/Dr4g0n é um sonho nerd. Como foi pegar essas referências geek, principalmente sendo esse o nicho da página, e colocá-las na série?

Tiago: Para o Dr4g0n, o principal, no sentido de concepção do personagem, são esses personagens anti-heróis, o que é o Sasake, o Killua, os rivais niilistas.

Mas, para além disso, tem, por exemplo, o L do Death Note. É um personagem que não se encaixa exatamente nesse perfil, mas é um personagem que a gente trazia como referência, até mais visualmente. A gente tem alguns figurinos que ele usa, que fazíamos paralelos. A gente olhava o L e pensava: “Ah, essa aqui é uma referência para o Daniel.” Não tenho certeza, mas acho que tem uma cena na série em que ele está sentado como o L, daquele jeito bem específico. Lembro da gente ter feito. Faz tempo que a gente filmou, mas acho que tem. E acho que tem a ver com o senso de superioridade, que é mais ou menos a energia que o personagem tem.

O que mais? Eles aparecem. Eu tenho vários momentos lendo mangás do Lobo Solitário. É um easter egg, parece que eles estão lendo, circulando pela casa.

No primeiro episódio, que tu já viu, tem aquele momento que o Daniel entra no time lá na Casa N e todo mundo menospreza ele, olha para aquele moleque e pensa que ele não tem como fazer alguma coisa. E é o tipo de cena onde uma pessoa desacreditada chega, todo mundo ri da cara dele, e ele se mostra forte, ganha de todo mundo. É uma cena que poderia ter referência em diversos filmes de faroeste, filmes de ação, coisas assim.

Mas para mim, por exemplo, a energia dessa cena, nesse aspecto do personagem ser menosprezado e depois revelar ser o mais forte de todos, me lembra do início do Samurai X. Ninguém dá moral para ele, acha que ele é só franzino e que não vai ser nada, e aí vai lá e é o mais forte de todos. Então, para mim, era essa energia.

No fim do segundo episódio, tem uma cena que para mim também é muito uma busca de sensação de anime. É o momento em que o Ike está cogitando sair do time porque está com a autoestima baixa, abalada com o que aconteceu, e o Daniel, do jeito dele, vai lá e faz um comentário que é para ser meio emocionante. Ele vai lá e motiva o amigo dele de um jeito muito Daniel.

Isso para mim é uma coisa que o anime faz e que eu não vejo tanto em outras formas audiovisuais. No anime, é piada, piada, piada, tudo alto, alto, alto e, boom, daqui a pouco vem aquele momento Fullmetal Alchemist, que você se dá conta de que está chorando. Você está rindo, rindo, rindo, e boom, vem uma coisa que quebra o coração, melodrama do nada, mas um melodrama bom, não no sentido pejorativo. E eu gosto bastante disso. Acho que a gente procurou ter momentos assim na série.

Horang Gabriel Kim creditos Fabio Rebelo
Fabio Rebelo
  • Otakus Brasil: O Full Force é claramente baseado em jogos de Battle Royale. Como foi a criação desse jogo fictício? Existe uma chance de o jogo existir no mundo real, como outros produtos do Globoplay já tiveram esse contato transmídia?

Tiago: Essa é difícil de lançar, é difícil responder, porque vai muito além da minha vontade. Eu adoraria me envolver com isso, mas eu não tenho autoridade.

Na verdade, o Full Force não é um battle royale. Ele é um FPS mais no modelo… É um FPS, é um modelo mais parecido com Counter-Strike, com o Valorant, do que, digamos, PUBG ou Fortnite. Então, assim, desde o início da ideia, eu queria que fosse um jogo de time. Eu gostava dessa coisa do cinco contra cinco, porque me parece que é como o futsal. É uma coisa que… Parece um número bom para ter um time a acompanhar numa série. Se tu vai acompanhar onze numa série, é gente demais. Então cinco me parecia um número bom.

Desde a concepção, na sala de roteiro, a gente falava: “Até poderia ser MOBA também, poderia ser uma coisa como LoL ou Dota, mas nos parecia que FPS, visualmente, seria mais interessante. Acho mais fácil de acompanhar para quem não conhece. Uma pessoa que não conhece, não joga, não sabe as regras de MOBA, vai assistir e não vai entender nada, não faz ideia de como aquilo funciona. Um FPS talvez também, mas é um pouco mais fácil de começar a entender o que está acontecendo. É tiro, tu vê ali que um boneco caiu, tu vê ali que tem tantos vivos num time, tantos vivos no outro, na rodada.”

Então, acho que foi por aí que a gente chegou no Full Force. E a gente queria que fosse um jogo de tiro e, ao longo do desenvolvimento da série, ele foi ficando mais parecido com, digamos, Valorant ou Overwatch. Isso foi sendo legal para a narrativa, ter coisas como ter o personagem que é suporte, ter o personagem que pode curar, que é uma coisa que no CS não existe. O CS é um jogo mais… Não vou dizer que é mais técnico, porque senão depois eu vou apanhar de alguma comunidade. Mas ele é mais na minúcia, mais precisão de tiro, território, ângulo. O meta não muda tanto, então a gente foi indo para o outro lado.

Vai ser legal esse episódio que tem uma questão sobre usar a cura, vai ser legal essa discussão de quem é o suporte do time, que isso também é uma coisa que está presente em alguns FPS, mas se aplica mais aos MOBA. Então foi um processo bem fluído ao longo da criação dos roteiros na sala de roteiro, chegar no que veio a ser o Full Force dentro da série.

Dr4g0n já está disponível com todos os seus episódios na Globoplay.

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