Desde que li Lebre e Coelho, virei um grande entusiasta das obras do Alec. E de todas as que li, nenhuma foi tão controvérsia quanto Me Liga Quando Chegar.
Na história, co-escrita entre ele e Wuta Tumaki, conhecemos Matilda, uma humana, e Lenore, uma vampira, que estão namorando, apesar de todas as diferenças. No entanto, atualmente Matilda parece estar dando atenção demais para sua nova amiga, Samantha, e agora Lenore tem que aprender a lidar com isso, com ajuda dos seus amigos lobisomens.
Em partes técnicas, o quadrinho é deslumbrante, o trabalho de cor focado somente no branco, preto e rosa traz esse ar gótico e soturno para todo quadrinho, ao mesmo tempo que temos esse traço mais cartunesco, característica dos dois autores, que traz uma amenidade para os atos ali descritos.
A leitura também é uma delícia. Se em obras mais longas do Alec, você acaba terminando em poucas horas, já que rapidamente você se vê totalmente investido naquele mundo, nessa que é uma das suas histórias mais curtas, já que foi originalmente escrito para um concurso de quadrinhos, você consegue terminar facilmente em menos de meia hora.
Porém, seja pelas regras do concurso ou por outras coisas que citarei mais para frente, a história tem um roteiro impactante, seja isso algo bom ou ruim, mas para falar disso, vou precisar entrar em spoiler, então estejam avisados.
Alerta de Spoiler
Depois de uma crise de ciúmes por causa da Matilda ter escolhido passar o Dia dos Namorados com Samantha, Lenore desaparece, e quando volta, a vampira está com sangue nos olhos para acabar com tudo aquilo. Preocupados, os lobisomens vão atrás dela, mas quando chegam lá, já é tarde demais. Samantha está morta. Mas não por causa da Lenore, e sim Matilda, já que tudo foi um grande plano para dar esse presente sádico para sua namorada.
Na teoria, parece um final medonho para fechar com chave de ouro um clássico conto de terror, não é mesmo? A questão é que HQ choca pela reviravolta que é muito boa, mas também por umas incoerências que te deixam meio confuso.
Podemos pontuar isso pelas reações dos lobisomens, que naquele momento, pareciam ser os personagens mais sensatos e a nossa contraparte na história, mas que na hora da revelação até se chocam pelo ocorrido, mas de um momento para outro parecem ignorar o fato de que uma pessoa morreu e seguem a vida normalmente, o que torna tudo meio confuso.
Na minha primeira leitura, eu até achei que tinha lido algo errado, porque do nada a morte da Samantha virou algo tão banal para todos os personagens, que parecia que tinha pulado alguma página. Ai na segunda leitura, eu percebi que depois que é revelado que foi a Matilda, o quadrinho parece que vira uma chavinha para “as duas são bem loucas, não é mesmo? kkkkkkkkkk”, numa forma estranha de querer terminar logo a história e seguirmos para um “final feliz” muito estranho.
Tipo zero problema as protagonistas serem péssimas pessoas, até porque ninguém é preto no branco, mas se você vai retratar isso, você tem que ter o mínimo de senso crítico ao assunto e por mais que não ache que os autores vangloriam os atos das protagonistas, eles também não exatamente condenam.
Também não acho que seria necessária uma cena expositiva dos lobisomens falando “não matem pessoas, é errado”, mas você está contando uma história de terror, ainda mais em um formato quadrinesco, aquele era o momento perfeito pro surto psicótico gráfico.
Se na hora que fosse revelado que foi Matilda que matou a Samantha, o design da Matilda e da história como um todo mudasse para algo mais aterrorizante, como eles fizeram no trecho que a Lenore se afunda nos ciúmes, e depois o design da própria Lenore fosse ficando mais cartunesco, até que o leitor percebesse que a vampira tinha curtido o presente e ela também voltasse a ficar graficamente medonha e descobríssemos que as duas são os “monstros” daquela história, além de mostrar de forma efetiva que as duas são péssimas individualmente e em conjunto, teria sido o fim de conto de terror perfeito.
Como disse anteriormente, o traço cartunesco ameniza demais todas as ações e no fim, parece que tudo foi só uma linda e brega declaração de amor, que não tenho certeza se deveria ter sido o tom desse final. E sei que Wuta já disse que resolveram não apelar para algo mais perturbador por conta do público mais jovem que eles tem, mas mesmo assim, acho que essa escolha prejudicou o potencial que a história poderia ter seguido.
Mas no fim, ainda dá para concluir que Me Liga Quando Chegar continua sendo uma divertida história, com ótimos personagens, um trabalho visual belíssimo e um bom final, mas que tinha potencial para ter sido O final.
OBS: Alec e Wuta em parceria com IndieVisivel, abriram uma Catarse para publicar uma versão física do Me Liga Quando Chegar, se você quiser e puder, apõem o quadrinho nacional.